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Nova Reforma Tributária
Impactos, conquistas e desafios para a cadeia de valor do açaí e a sociobiodiversidade
As economias da sociobiodiversidade e seus produtos, como o açaí, sempre enfrentaram uma série de desafios para se viabilizar e concorrer com a produção em larga escala, tendo o regime tributário atual pouco ou nada contribuído para essa viabilização. Entre os desafios fiscais, podemos citar a falta de diferenciação dos produtos com origem de povos e comunidades tradicionais dos demais; a falta de incentivos fiscais como isenções ou regimes diferenciados de tributação relacionados à origem do produto e a complexidade tributária, que dificulta o entendimento dos tributos a serem pagos e gera insegurança jurídica.
Os recentes avanços em torno da reforma tributária trouxeram mudanças significativas para diversos setores da economia brasileira, incluindo as cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Os principais impactos, conquistas e desafios foram discutidos em um evento promovido pelos Diálogos Pró-Açaí, no dia 18 de fevereiro.
O evento contou com a participação da Rede Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (OSócioBio), representada por Laura Souza (secretária executiva do OSócioBio) e João Luis Abreu (Instituto Socioambiental), que compartilharam as articulações realizadas para incluir demandas da sociobiodiversidade no novo regime tributário do país.
Tratamento tributário do açaí na reforma tributária
Dentro das conquistas obtidas, merece destaque a situação específica do açaí. O produto, que desempenha um papel fundamental na economia amazônica e na segurança alimentar das comunidades locais, obteve deferimento total de impostos quando comercializado puro (sem açúcar ou sal), ou seja, não serão cobrados impostos nesse caso mesmo que esteja embalado e congelado. Essa medida incentiva o consumo do açaí em sua forma mais natural e nutritiva, alinhando-se às diretrizes para a promoção de uma alimentação saudável e prevenção de doenças relacionadas ao consumo excessivo de açúcar e sal. Inicialmente, havia preocupações de que a reforma tributária pudesse aumentar significativamente os impostos sobre o produto, com alíquotas podendo ultrapassar 27% em alguns casos. Contudo, após intensa mobilização das redes e organizações da sociedade civil, o açaí puro foi classificado como produto hortícola ou fruta "in natura", garantindo sua alíquota zero, mesmo quando congelado e embalado para transporte. Ademais, com a nova reforma tributária, associações e cooperativas de produtores rurais com receita até R$ 3,6 milhões anual, muitas delas atuantes diretamente na cadeia do açaí, serão consideradas não contribuintes, ou seja, não vão precisar pagar impostos. Essas medidas são resultado direto da articulação coletiva e institucional promovida pelo ÓSocioBio em prol do fortalecimento justo e sustentável dessa cadeia produtiva específica.
Reforma tributária e a sociobioeconomia
A discussão também destacou como a nova reforma tributária impacta diretamente as cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Inicialmente, esses produtos estavam sujeitos à alíquota cheia de tributação, o que poderia aumentar significativamente os custos de produção e comercialização. A incidência política realizada pela rede Ósociobio foi fundamental para que houvesse avanços importantes para garantir a manutenção e o fortalecimento dessas cadeias.
Dentre as conquistas destacadas estão:
- Redução total de imposto para alguns produtos da sociobiodiversidade, entre eles estão: tapioca, erva-mate, produtos hortícolas e frutas in natura - mesmo que congeladas e embaladas - como é o caso do açaí puro (sem açúcar ou sal);
- Cooperativas de produtores rurais serão não contribuintes, ou seja, não pagarão impostos, e associações com faturamento de até R$ 3,6 milhões por ano também;
- Redução de 60% na tributação para sementes e mudas nativas e crioulas; farinhas, óleos e castanhas da sociobiodiversidade (sem adição de sal); frutas secas e produtos desidratados; borracha e látex; insumos agroecológicos e serviços ambientais;
- Inclusão de produtos como óleo de babaçu na cesta básica nacional, garantindo isenção total de tributação.
Laura Souza ressaltou que a incidência política foi essencial para garantir esses avanços. "O trabalho técnico e a mobilização das organizações permitiram que demandas históricas das cadeias da sociobiodiversidade fossem incluídas na reforma. Isso representa um passo importante para a justiça tributária no Brasil", destacou.
O papel dos territórios na preservação e no desenvolvimento econômico
João Luis Abreu enfatizou a importância dos territórios de povos e comunidades tradicionais na manutenção da biodiversidade e nos serviços ambientais fundamentais para o equilíbrio climático. "Os produtos da sociobiodiversidade representam modos de vida sustentáveis e práticas produtivas que garantem a preservação da floresta e a geração de renda. Garantir um tratamento tributário justo para esses produtos é também uma estratégia para combater as desigualdades históricas e fortalecer economias locais", afirmou.
Outro ponto destacado no debate foi a necessidade de maior sistematização dos dados sobre produção e comercialização da sociobioeconomia, para embasar futuras incidências políticas. "Ainda há uma subnotificação expressiva dos dados econômicos desse setor. Precisamos fortalecer a coleta de informações para que as cadeias da sociobiodiversidade sejam devidamente reconhecidas e valorizadas", apontou Laura.
Desafios e lacunas
Apesar dos avanços conquistados, o debate também apontou desafios para a regulamentação da reforma tributária. Ainda serão definidos pontos importantes, como as alíquotas do imposto seletivo e a forma como cada estado interpretará as novas regras. O setor da sociobiodiversidade precisa continuar mobilizado para garantir que esses avanços sejam plenamente implementados.
Além disso, a reforma deixou algumas questões em aberto. A Cesta Básica, por exemplo, não contemplou na totalidade a diversidade cultural, regional e alimentar existente no país, de modo que produtos típicos das cadeias da sociobiodiversidade, fundamentais para a alimentação de diversas comunidades e regiões, não foram incluídos. A exemplo, polpas de frutas, óleos vegetais (exceto babaçu), farinhas tradicionais (como a de jatobá e pupunha), castanhas e borracha receberam alíquota reduzida de 60%, o que significa que ainda pagarão uma parte dos impostos.
Outro ponto sensível é a não inclusão de mecanismos que garantam o reconhecimento dos territórios tradicionais como zonas especiais de incentivos fiscais. Essa medida poderia ampliar as oportunidades para povos originários e comunidades tradicionais que dependem da sociobiodiversidade para sua segurança alimentar e geração de renda.
Próximos passos
O evento destacou que, apesar das conquistas, a luta pela consolidação de um sistema tributário justo para as cadeias da sociobiodiversidade ainda não terminou. Agora, a atenção está voltada para a regulamentação da reforma e para a definição das alíquotas específicas. A mobilização política e o fortalecimento de redes como o Osóciobio continuarão sendo estratégicos para que as cadeias da sociobiodiversidade tenham visibilidade e prosperem em um novo cenário tributário que ainda está em construção.
Os Diálogos Pró-Açaí seguem como um espaço fundamental para trocas e incidência sobre temas que impactam a cadeia do açaí e outras cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Através do compartilhamento de experiências, debates sobre políticas públicas e construção coletiva de estratégias, o espaço tem se consolidado como um ambiente essencial para a articulação entre produtores, pesquisadores, organizações da sociedade civil e representantes do poder público, impulsionando avanços em sustentabilidade, justiça socioeconômica e valorização dos modos de vida tradicionais.
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